quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

mudou tudo

"Faço algo parecido com jornalismo desde os 11 anos. Naqueles idos de 1994 e 95, eu resolvi fazer toda a cobertura do campeonato de carrinhos do bairro. Os carrinhos eram miniaturas de no máximo 10 centímetros e os privilegiados pertenciam às equipes de luxo, Hot Wheels e Matchbox, que disputavam ponto a ponto o torneio. O bairro em questão era o Jardim Brasília, na mais mineira das cidades fluminenses, Resende, na divisa com Minas Gerais e São Paulo. Acompanhava os treinos para o grid de largada, as corridas e os escarcéus dos participantes, que brigavam e estapeavam-se constantemente. Distribuía meus textos sensacionalistas na simplória diagramação que criara e oferecia aos “pilotos” o Eclipse Total, que depois ganharia mais capricho no acabamento, com o cafona título Goldenclipe Total.

No entanto, ninguém queria conferir meu trabalho. Aqueles preguiçosos amigos do bairro não gostavam muito de ler e eu tinha que esfregar-lhes na cara as notícias. Numa tentativa, apelei para gráficos e caricaturas infantis. Mas o problema mesmo não era a falta de interesse deles, mas a total parcialidade deste aprendiz de repórter. Como eu era um dos líderes do campeonato (fiz vultosos investimentos que rasparam mesadas na compra de Lamborghinis e Porsches), usava minha singela publicação apenas para desestabilizar os oponentes. Cansados de tanta intriga e discussão, todo mundo largava a disputa no meio e, por três ou quatro edições consecutivas, o torneio nunca chegou ao fim. Aprendi que essa tal imparcialidade é, de verdade, muito importante para qualquer jornalista que almeje respeito e credibilidade na sua carreira. É claro que não cheguei a essa conclusão com 12 anos, foi um pouco depois.

Aos 16 anos, aproveitando todas as benesses que a vida de classe média em uma cidade interiorana podia oferecer, quis dar um passo além daquela rotina fútil de xingar o professor de química, apaixonar-se por uma amiga do irmão e descobrir os prazeres do álcool em festas de amigos. Criei um outro pasquim, com o intuito de ser a voz dos jovens. Não dos adolescentes engajados, com uma causa por lutar, mas daqueles simplesmente...fúteis. Convidei alguns dos meus melhores amigos (quase todos péssimos alunos como eu) para diversas funções em A Gazeta. Redação, arte, comercial, internet, pontos de distribuição e merchandising. As manchetes, do tipo “Professor é trancado para fora da sala e alunos quebram tudo”, ao lado de notas que revelavam quem estava ficando com quem, fizeram sucesso na cidade toda. Quase todos os alunos das escolas particulares eram leitores assíduos e, na medida do possível, exigentes. Passamos madrugadas em gráficas, não ganhamos um tostão sequer (o que sobrava das cotas de publicidade era investido em churrascos), mas o prazer de ver um recreio em silêncio, com estudantes e professores liberais entretidos na leitura do nosso trabalho, compensava qualquer esforço ou suor.

A Gazeta ganhou notoriedade, à essa altura já estava mais que óbvio que eu iria prestar vestibular para jornalismo. Ficamos famosos na cidade, fomos assunto de um programa da TV Globo local e, aos 17 anos, consegui algo que poucos repórteres já haviam conseguido: entrevistar um marciano. Arc, o alienígena que passou alguns anos pela Terra e às vezes visitava a redação de Veja, concedeu a mim uma entrevista exclusiva pela internet, que, na semana seguinte, foi publicada na íntegra na maior revista do Brasil.

Algumas vezes, a vida no interior não oferece aquilo que se quer para a carreira, então eu decidi fazer jornalismo em São Paulo. Um pouco antes da formatura, encerramos as atividades de A Gazeta, não sem melancolia. Consegui entrar na Cásper Líbero e, desde então, nos estágios e trabalhos de faculdade, conheci gente de tudo que é tipo. De saunas gays no Largo do Arouche a oficinas mecânicas em Cuiabá. Vi na faculdade muita coisa que já tinha reparado quando era um editor adolescente. A pressão dos anunciantes, o interesse político, a crítica, a correria do fechamento. Aprendi que curiosidade insaciável e uma necessidade quase obsessiva pela apuração são pré-requisitos de um repórter. Eu os tenho. E sei, há mais de 10 anos, que o jornalismo é o que quero para mim. "

Escrito em São Paulo, outubro de 2005
Três meses depois, Curso Abril.

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