domingo, 21 de março de 2010

abraços pela américa

La Boca, Buenos Aires, novembro 2006


"E então, no meio daquele alvoroço, um desamparadozinho que não chegava a mais de um metro do chão mostrou-me um relógio desenhado com tinta negra em seu pulso:
- Quem mandou o relógio foi um tio meu, que mora em Lima - disse.
- E funciona direito? - perguntei.
- Atrasa um pouco - reconheceu."

"Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras. Se pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada em minha garganta."

"Enquanto passava a limpo nomes e endereços e telefones para a agenda nova, eu ia passando a limpo também o entrevero dos tempos e das gentes que acabava de viver, um turbilhão de alegrias e feridas, todas muito, sempre muito, e esse foi um longo duelo entre os mortos que mortos ficaram na zona morta do meu coração, e uma enorme, muito mais enorme celebração dos vivos que acendiam meu sangue e aumentavam meu coração sobrevivido. E não tinha nada de mais, nada de mal, que meu coração tivesse se quebrado, de tão usado."

"Somos todos mortais até o primeiro beijo e o segundo copo."

* * *

Eduardo Galeano, direto, espirituoso e deveras humano em O Livro dos Abraços. Obrigado, pelo presente, Zaizer!