segunda-feira, 23 de agosto de 2010

o futuro dos jornais

Trecho do gigantesco e rebuscado e filosoficamente arrastado A Montanha Mágica, de Thomas Mann. Aqui, ele escreve sobre consciência ecológica e o papel econômico que o jornal, mais especificamente do papel-jornal, poderia ter. O ano? 1924.

"Em consequência de seu caráter complacente, o bom Hans Castorp estava predestinado a receber as confidências de vários dos seus companheiros que se achavam possuídos de alguma ideia fica e sofriam por não encontrar na maioria leviana dos pensionistas pessoas que os quisessem ouvir. Um antigo escultor, natural de uma província da Áustria, homem de certa idade, com um bigode branco, nariz adunco e olhos azuis, concebera um projeto político-financeiro, que caligrafara, sublinhando os trechos decisivos com pinceladas de tinta nanquim. Esse projeto tinha o seguinte objetivo: cada assinante de jornal deveria ser obrigado a entregar no primeiro dia de cada mês uma quantidade de papel de jornal velho que correspondesse a 40 gramas por dia. Isso importaria anualmente em cerca de 1400 gramas, e em 20 anos em nada menos que 288 quilos, os quais, à base de um preço de 20 pfennings por quilo, representariam um valor de 57,60 marcos. Cinco milhões de assinantes - assim prosseguia o memorando - entregariam, portanto, em vinte anos a soma formidável de 288 milhões de marcos, dois terços da qual poderiam ser deduzidos das assinaturas, ao passo que o resto, aproximadamente cem milhões de marcos, seriam aproveitados para fins humanitários, como, por exemplo, o financiamento de sanatórios populares para tísicos, subvenções para talentos, pobres etc. O plano estava elaborado em todos os pormenores. Não, tinha até mesmo uma coluna que permitia ao funcionário encarregado de recolher mensalmente o papel verificar a quantidade que faltava pela altura da pilha. Havia formulários pendurados para servir de recibo. Era um projeto sólido e fundado sob todos os aspectos. O gesto insensato e a destruição de papel jornal, que gente mal-avisada ainda desperdiçava em cloacas ou fogões, constituía alta traição às nossas florestas em um golpe contra a economia nacional. Poupar papel, guardar papel, significaria conservar e economizar celulose, árvores, máquinas, que a fabricação de pasta mecânica e de papel desgastava, como seriam também menos exigidos o capital e o material humano. Acrescia a isso o fato de o papel de jornal velho adquirir facilmente o quádruplo valor pela transformação em papel de embrulho ou em papelão, de maneira que seria capaz de se converter num fator econômico de vasta importância e em fundamento de rendosos impostos estaduais ou municipais, ao passo que os leitores de jornais veriam as suas contrubuições aliviadas. Numa palavra, o projeto era bom, era, em realidade, inatacável, e se no entanto tinha algo de sinistra ociosidade e mesmo de obscura tolice, era somente por causa do fanatismo excêntrico com que o ex-artista defendia e apregoava uma ideia econômica, exclusivamente esta e mais nenhuma, apesar de levá-la, evidentemente, tão pouco a sério no fundo do seu coração que não fazia a menor tentativa para realizá-la..."

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