Baita livro de bolso pra comprar. R$10 bem investidos numa narrativa sincopada entre frases longas e curtas (daí o nome, alusão ao estilo musical) que mostra, sob diversos aspectos e pontos de vista, a formação cultural dos Estados Unidos. Nada academicista. Jazz, anarquia e ilusionismo.
Sexo & casamento:
"O casamento parecia desabrochar com suas prolongadas ausências. Ao jantar, na véspera da partida, o punho da manga de Mamãe atirou ao chão uma colher e ela corou. Quando toda a casa estava adormecida, ele entrou no quarto da mulher, totalmente escuro, e foi solene e atencioso como cabia à ocasião. Mamãe fechou os olhos e levou a mão aos ouvidos. O suor do queixo de Papai caiu-lhe nos seios. Estremeceu, pensando: No entanto, sei que são estes os anos felizes. À nossa frente amontoam-se grandes desastres."
Gula:
"O augusto Pierpont Morgan consumia rotineiramente jantares de sete, oito pratos. Ao café-da-manhã comia bife, costeleta de porco, ovos, panquecas, peixe cozido, pãezinhos com manteiga, frutas secas e creme. O consumo de alimento era o sacramento do sucesso. O homem que ostentava um ventre volumoso encontrava-se no ápice da saúde. As mulheres internavam-se em hospitais onde morriam de ruptura da bexiga, falência do pulmão, coração sobrecarregado e meningite da medula espinhal. Havia muito movimento rumo às fontes sulfurosas, onde o purgativo era apreciado como um incentivo ao apetite. Toda a América era um grande arroto."
Raças:
"Mas o plano geral é o que permite aos taxonomistas classificar os mamíferos como tais. E dentro de uma espécie - a humana, por exemplo - as regras da natureza operam de modo que nossas diferenças individuais baseiam-se na nossa similaridade. Assim, a individualização pode ser comparada a uma pirâmide, no sentido de que só é alcançada graças à colocação da pedra mais alta.
Ford ponderou. Excetuando-se os judeus, murmurou. Morgan julgou não ter ouvido bem. Perdão, falou. Os judeus, repetiu Ford. São diferentes de todas as outras pessoas que eu conheço. E lá se vai sua teoria à merda. Sorriu."
Amizade infantil & diferenças sociais:
"Ela tinha pés pequenos, suas mãos morenas eram miúdas. Deixava marcas na areia de uma corredora de ruas, escaladora de sombrias escadas; sua pegada era uma fuga aos terrores dos becos e ao terrível estrondo das latas de lixo. Ela fizera as necessidades em privadas de madeira, por detrás dos cortiços. A cauda de roedores se enroscara em seus tornozelos. Sabia costurar à máquina e observava cães copulando, prostitutas recebendo fregueses nos corredores, bêbados urinando entre traves de madeira dos carrinhos de mão. Ele nunca passara sem uma refeição. Nunca sentira frio à noite. Corria com a mente. Corria em direção a alguma coisa. Era livre de medo e ignorava que houvesse no mundo seres menos curiosos que ele a respeito do universo. Via através dos objetos, observava as cores que as pessoas produziam e nunca se surpreendia com uma coincidência. Um planeta azul e verde movimentava-se nas suas pupilas."
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Ragtime, de E.L. Doctorow
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