quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Selvagens


"Eu queria conseguir umas batinas", sugeri. "Podem ser úteis em Las Vegas."

Mas nenhuma loja de trajes religiosos estava aberta. Também não estávamos dispostos a arrombar uma igreja. "ah, deixa pra lá", falou meu advogado. "É bom lembrar que certos policiais são católicos muito carolas. Dá pra imaginar o que esses filhos-da-puta fariam se nos pegassem totalmente drogados e bêbados, usando batinas roubadas? Jesus, a gente ia ser castrado!"

"Tem razão", concordei. "E, pelo amor de Jesus Cristo, larga esse cachimbo quando a gente parar no sinal. Não esquece que estamos num conversível".

Meu advogado balançou a cabeça. "A gente precisa de um narguilé bem grande. Pra deixar aqui embaixo, fora de vista. Se alguém vir, vai achar que estamos usando oxigênio."

* * *
Mas nada na atmosfera do North Star indicava uma necessidade de ficar alerta. A garçonete possuía certa hostilidade passiva, mas com isso eu estava acostumado. Era uma mulher grande. Não gorda, mas larga em todos os sentidos, com braços compridos e musculosos e uma mandíbula de gente briguenta. Uma caricatura destruída de Jane Russell: cabeçona com cabelos escuros, batom borrado e peitos enormes que devem ter sido espetaculares uns vinte anos atrás, quando ela foi a Mama dos Hell's Angels em Berdoo... Mas agora estavam embalados num sutiã elástico gigante e cor-de-rosa, que por baixo do seu uniforme de raiom branco e suado parecia uma atadura.

Devia ser casada, mas eu não estava com vontade de especular. Naquela noite, tudo que eu queria dela era uma xícara de café preto e um hambúrguer de 29 centavos com picles e cebola. Nenhum aborrecimento, nenhuma conversa - apenas um lugar para descansar e recuperar forças. Eu nem estava com fome.

Meu advogado não tinha um jornal ou qualquer outra coisa para prender a atenção. Assim, para espantar o tédio, se concentrou na garçonete. Ela anotava nossos pedidos como um robô quando meu advogado destruiu sua pose exigindo "dois copos de água gelada - com gelo".

Foda-se, pensei. Eu estava lendo as tirinhas.

* * *
... Por que se dar ao trabalho de ler jornais, se isso é tudo que têm a oferecer? Agnew tinha razão. A imprensa é uma gangue de covardes impiedosos. Jornalismo não é uma profissão, não é nem mesmo um ofício. É uma saída barata para vagabundos e desajustados - uma porta falsa que leva à parte dos fundos da vida, um buraquinho imundo e cheio de mijo, fechado com tábuas pelo inspetor de segurança, mas fundo o bastante para comportar um bêbado deitado que fica olhando para a calçada se masturbando como um chimpanzé numa jaula de zoológico.


Trechos de Medo e Delírio em Las Vegas, o relato chapado de Hunther S. Thompson na decadência da sociedade americana pós-sonho hippie. As ilustrações igualmente insanas do livro são de Ralph Steadman

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