quarta-feira, 22 de julho de 2009

literatura, enfim

"Era cerca de 11 horas. A rua estava relativamente escura; pessoas caminhavam por todos os lados, aos pares, em silêncio, ou em grupos ruidosos. Começara o grande momento, a hora da junção macho-fêmea, em que o tráfico secreto alcança o apogeu, e se esboçam aventuras alegres. Saias roçagantes, aqui e ali um riso breve e sensual, seios buliçosos, hálitos violentos, arquejantes; em frente ao Grande Hotel, ma voz chamando: 'Ema!' Toda a rua era um brejo de que emergiam vapores cálidos."

"Santo Deus, em que triste estado me achava! Sentia-me tão profundamente desgostoso e fatigado por toda essa vida miserável, que já não me parecia valer a pena lutar em sua defesa. A má-sorte vencera, e fora demasiado rude: eu era apenas uma extraordinária ruína. Os ombros, pendidos, achatavam-se inteiramente para os lados; adquirira o costume de andar o mais curvado possível, a fim de proteger o peito. Uma dessas tardes, no quarto, passava o corpo em revista, e chorava com pena dele, durante todo o tempo. Havia semanas que usava a mesma camisa, dura de tanto suor ressecado, a ponto de me ferir um umbigo. Escorria da chaga um líquido sangrento; não era doloroso, mas afligia ver aquela ferida bem no meio do ventre. Não tinha remédio para ela, e não se fecharia por si só; lavei-a, enxuguei-a cuidadosamente e tornei a pôr a mesma camisa. Não havia nada a fazer. [...] Gostaria tanto de morrer."

Knut Hamsun, Fome

[eu não.]

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