sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Um gato tem sete vidas. Fidel tem 700

Um gato tem sete vidas. Fidel tem 700

Droga alucinógena, amante, sorvete envenenado, charuto explosivo. No auge da Guerra Fria, nos anos 60 e 70, os Estados Unidos tentaram – ou pelo menos cogitaram – matar Fidel Castro centenas de vezes. Falharam em todas.

FELIPE VAN DEURSEN

A Casa Branca vivia dias de satisfação naquele 17 de março de 1960. O presidente Dwight Eisenhower sentia-se empolgado com a fácil vitória que seu vice, Richard Nixon, conseguira na semana anterior nas primárias de New Hampshire – uma das etapas da gincana eleitoral que escolhe o presidente americano. Às 14h30, os dois se reuniram com o diretor da CIA, Allen Dulles, e o diretor de operações encobertas da agência, Richard Bissell. Os agentes vieram apresentar um plano para se livrar do líder cubano Fidel Castro sem que as forças americanas precisassem invadir a ilha. A idéia era criar uma forte oposição no país, que incluía uma rádio clandestina para irradiar antipropaganda, e treinar um grupo de 60 exilados no Panamá que se infiltrariam em Cuba com armas e munição fornecidas pela CIA. “Fidel cairá em seis a oito meses”, prometeu Bissell. A eleição estava marcada para dali a sete meses e meio, portanto derrubar Castro nesse tempo seria crucial para eleger Nixon e manter os republicanos no poder. “Não há plano melhor”, decretou Eisenhower. Mas ele fez uma ressalva: “eu nunca soube de nada.”

O plano fracassou. Nixon perdeu a eleição para John Kennedy, que também desejava se livrar de Fidel Castro. Exatos 13 meses após a reunião com Eisenhower, outra idéia mirabolante da Central de Inteligência Americana, aprovada por JFK, foi um fiasco: a invasão da baía dos Porcos. “Mesmo se tivesse dado certo, Cuba não ficaria livre de conflitos”, diz Brian Latell, ex-analista da CIA e um dos maiores especialistas do mundo em Cuba. “Um governo pró-americano substituiria Fidel Castro, mas ele talvez organizaria uma nova revolução na Sierra Maestra ou em outro país.”

Porém, a derrota na baía dos Porcos foi apenas a mais famosa tentativa da CIA em tentar derrubar Fidel Castro. Houve uma série de outros planos, alguns dignos de um roteiro rejeitado dos filmes do agente abobalhado Austin Powers. Fabian Escalante, ex-“anjo da guarda” de Fidel, responsável pela segurança pessoal de “El Comandante”, explicitou no título de seu livro o número exato de atentados falhos: 638 Ways to Kill Castro (“638 maneiras de matar Castro”, inédito em português). “Parece exagero ou invenção, mas o número inclui desde comentários e idéias até planos em fase de execução”, afirma Claudia Furiati, autora de Fidel Castro – Uma Biografia Consentida. Todos eles falharam. Fidel Castro só deixou o poder em 2006, por motivos de saúde. Dez presidentes americanos passaram por ele.

CHARUTO EXPLOSIVO

Na reunião, Nixon já estava a par de algumas das ações na ilha. Duas semanas antes, Allen Dulles leu um relatório de sete páginas ao vice-presidente, que mencionava guerra econômica, sabotagem e uma droga que ao ser colocada na comida de Fidel faria com que ele se portasse de maneira irracional em público. Desde dezembro de 1959, a CIA já planejava derrubar Fidel Castro. Entretanto, a intenção de matá-lo, quando surgia, era deixada de lado. Acabar com a reputação de Fidel, sem a necessidade de qualquer invasão, era prioridade. Pelo menos até o verão. Entre agosto de 1960 e abril de 1961, Bissell negociou diversos planos com a máfia para eliminar Castro, enquanto agentes cubanos acompanhavam de perto os passos dos exilados em Miami que mostravam interesse em participar das ações clandestinas sendo planejadas.

Desde que tomou posse, em 1961, John Kennedy deu especial atenção às intenções da CIA de eliminar Castro. Em março de 1961, Bissell apresentou a idéia de invadir três praias na baía dos Porcos, enquanto o braço mafioso da operação deu ao cubano Tony Varona alguns milhares de dólares e pílulas envenenadas. O veneno foi passado a um barman de Havana, que deveria depositá-lo no cone do sorvete, ou no milkshake, de Fidel. No entanto, os agentes cubanos localizaram as pastilhas se desfazendo, congeladas no freezer, porque o atendente não conseguiu desgrudá-las da parede. Outras idéias excêntricas surgiriam com o moral baixo da agência desde a derrota humilhante na baía dos Porcos, em abril.

Em novembro, Kennedy criou o Grupo Especial Ampliado, chefiado por seu irmão Robert. O comitê teria uma única missão: eliminar Fidel Castro. “A CIA estava tão ocupada em conduzir ações que ela falhou em ver em Cuba uma ameaça crescente à segurança dos Estados Unidos”, escreveu o jornalista americano Tim Weiner em Legado das Cinzas – Uma História da CIA. O novo diretor da agência, John McCone, que assumiu o cargo naquele mês, não sabia dos planos arquitetados por seu antecessor, Dulles, e Bissell. Ele alertou o presidente que somente uma guerra, secreta ou não, derrubaria Castro – e que a CIA não estava pronta para bancar essa guerra. McCone ainda disse que a agência não poderia servir como um modelo de agentes desenvolvidos para derrubarem governos e assassinar chefes de Estado. Kennedy ouviu, mas não contou nada a McCone. Os planos deveriam seguir adiante. Uma força-tarefa com 600 oficiais da CIA e quase 5 mil mercenários, além de uma marinha com submarinos, lanchas de patrulha e aviões que usaria a base americana de Guantánamo, em Cuba, seria criada e idéias nefastas, como explodir um navio americano em Cuba para justificar uma nova invasão, surgiram tanto no Pentágono como na Casa Branca.

A operação, que ganhou o codinome Mongoose, tinha 32 planos, entre sabotagem e ações de inteligência. Alguns deles um tanto bizarros, que chegaram a ser postos em ação. O notório hábito de Fidel de fumar charutos chamou a atenção da agência, que se prontificou a encomendar um habano que explodisse na cara dele. O charuto nunca chegou perto de Castro. Uma toxina o estragou, e o plano foi posto de lado. O mergulho, outro hobby do “comandante”, também foi cogitado. A idéia era achar uma concha grande o suficiente para esconder explosivos e pintá-la com cores chamativas, a fim de atrair Fidel em seus mergulhos na costa cubana. Outro plano citava uma roupa de mergulho preparada especialmente para ele, infestada com um fungo que lhe causaria uma doença de pele crônica. Em outra ocasião, uma antiga amante foi contratada pela CIA para acabar com o líder cubano. No entanto, as pílulas de veneno dadas a ela derreteram no pote de creme de rosto, e passá-lo na cara barbuda de Fidel não era boa idéia. O homem, a essa altura, já tinha percebido que se tratava de outro plano para eliminá-lo, então decidiu provocar, dando a própria arma à mulher. “Não posso fazer isso, Fidel”, respondeu. A indefectível barba do comandante também foi alvo: para minar a imagem dele, pretendia-se contaminar os sapatos de Castro com tálio radioativo, substância que a agência acreditava fazer os pêlos caírem. Outra idéia, no mínimo hilária, consistia em pulverizar no estúdio onde Fidel faria um discurso à nação um spray alucinógeno, que o faria “viajar” em rede nacional. Em abril de 1962, nova tentativa, agora envolvendo a máfia. O gângster John Rosselli recebeu em Miami uma leva de pílulas envenenadas com bactérias, para serem postas no chá ou no café de Fidel ou ainda em seu lenço de mão. Nada deu certo. Certa vez, uma cápsula da CIA foi abandonada porque ela simplesmente se recusava em se desintegrar na água.

O senador Robert Kennedy ficou enfurecido ao saber dos planos. Não porque pretendiam matar Fidel, mas por envolver mafiosos, de quem ele era notório inimigo. Os atentados fracassados envolviam também franco-atiradores. Um colega de juventude pretendia atirar em Castro durante o dia, no meio da rua. Outro foi pego pelos seguranças na Universidade de Havana. Embora nenhum dos planos tivesse dado certo (muitos, afinal, nem saíram do papel), a constante ameaça mudou a vida do líder cubano. Se no começo da vida pública ele andava sozinho, depois foram necessários seguranças e até dublês. Castro mudou de endereço mais de 20 vezes ao longo dos anos.

Em 1963, a CIA convocou Rolando Cubela, o agente mais bem posicionado dentro do governo cubano, que, além disso, detestava Castro. Para definir os passos do atentado, ele se reuniu com os mandantes em Helsinque, Finlândia, Porto Alegre e Paris, onde Cubela encomendou um rifle com mira telescópica. A agência prometeu a arma que ele quisesse para exterminar Fidel de uma vez. Entretanto, a História deu uma guinada em novembro daquele ano. No dia 22, enquanto Cubela recebia uma caneta envenenada para matar Fidel, o jovem de 24 anos Lee Harvey Oswald traumatizou toda uma nação ao eliminar John Kennedy durante um desfile em carro aberto, em Dallas.

Quem assumiu a Casa Branca foi o vice, Lyndon Johnson, que não sabia dos planos da CIA de acabar com Fidel. “Poucas pessoas sabiam”, escreveu Tim Weiner. “Fidel Castro entre elas.” Em 1967, o FBI, polícia federal americana, entregou um relatório a Johnson que confirmava: a CIA tentou matar Fidel Castro, contratou a máfia para isso e Robert Kennedy, por ser procurador-geral da República na época, estava a par de tudo. Dentre as várias especulações acerca da morte de Kennedy, uma delas fica clara numa declaração do presidente: “Kennedy estava tentando pegar Castro, mas Castro o pegou primeiro.”


Texto original de matéria publicada no Especial 50 Anos da Revolução Cubana, de Aventuras na História

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