No muro baixo branco de tijolos da antiga casa da avó, quadros, mantidos pelos tios herdeiros, lembram a opulência que o lugar tinha em outros tempos. A fotografia do velório de um alto membro da seleção de futebol, realizado no jardim, atestava como a residência era movimentada - embora enaltecesse algumas particularidades de decoração e paisagismo que não agradavam aos atuais donos.
`Olha essas paredes, essas plantas. Era tudo muito largado, se me permite a sinceridade`, dizia a nora e proprietária.
A visita se estendeu ao vizinho mais rico ao lado. No jardim, amigos pobres vivem amontoados, deslizando feito filhotes de porcos recém-nascidos sobre uma lona. A lona, por sua vez, era semelhante a uma vela de catamarã. Não, na verdade era uma vela.
Entre aquelas criaturas sujas e não mais dignas, havia um bebê sem olhos, cujas cavidades eram grossas, mas apesar do aspecto repugnante eram limpas e secas. O único traço de humanidade naquele rostinho deformado era uma pequena língua, tímida e pateticamente para fora, 'na pontinha'. O bebê era cuidado por um suposto irmão, gordo e atarracado, sem pescoço, com um semblante que seria divertido não fosse aquela situação tão embaraçosa. Você não tem coragem de perguntar nem se aquele bebê está vivo ou não. Eram todos tão alucinados que não espantaria um deles cuidar de um ser em decomposição.
Com muita dificuldade para superar o baixo atrito da lona sobre a grama e os arrepiantes contatos físicos daqueles que outrora eram amigos interessantes e vivazes, você consegue deixar o jardim e caminhar pelos lados da mansão até deixar o nobre bairro.
De volta ao trabalho, é interessante reparar, após tantos anos, como são felizardos os funcionários da empresa, que podem almoçar em um grande chalé de madeira encravado na entrada do bosque, servindo-se de diversas opções de pratos do chef, grelhados, supersaladas, cozinha brasileira, massas e pratos saudáveis. Seus pais sentiriam orgulho e tranquilidade ao ver que você é bem tratado na firma. Mas, sem fome, abre mão de tantas opções e escolhe uma gelatina com leite condensado, densa, branca e fosca. Tão densa que ela não escapa do prato quando o motorista do refeitório - de volta àquele insuportável ônibus escolar sob o pavimento - resolve transportar o enorme chalé bem na hora do almoço.
Enquanto nhoques e bifes a rolê pulam dos pratos para as camisas dos colegas, você é jogado para cima de uma cadeira encostada, e não consegue vencer a força gravitacional sem a ajuda de um amigo. Mais uma vez a gravidade atrapalhando, mas dessa vez os outros ajudam, não atrapalham.
Ao pesar a gelatina grudenta, um colega o aborda: "O que você estava fazendo com a Gisele ontem na rua!?"
Você gela. "Que Gisele?" Achando que ele se referia a uma conhecida deveras feia.
"Sabe muito bem que Gisele..." E olha, impaciente, aguardando o estalo.
"Ah, aquela, a Bundchen! Pois é, tive que ciceronear a moça, mas não deu muito certo"
"Por quê?"
"Porque ela é safa. E no sentido nada intessante. Nem para dar em cima rolava, né. Ia pegar mal"
"Pode crer."
terça-feira, 1 de junho de 2010
Gisele no país do espelho
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sonhos bizarros
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Um comentário:
Cotidianos memoráveis.
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