segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Pacman é o cara

Pena que Norman Mailer não está mais aí para fazer um perfil à altura do monstro filipino... Me empolguei, tentei e mandei.



O maior boxeador do mundo é um frangote das Filipinas de 1,69m. Seu nome: Pacman

Ricky Hatton parecia confiante naquela noite de 2 de maio, em Las Vegas, Estados Unidos. Detentor do cinturão da IBO (Organização Internacional de Boxe, em inglês) na categoria meio-médio-ligeiro (até 64 kg), o britânico branquelo conhecido como The Hitman defenderia o título mundial contra o filipino Manny Pacquiao no duelo que vinha sendo chamado de “guerra dos mundos”. Mal-encarado, feio e dono de um certo carisma, Hatton, 45 vitórias, 32 por nocaute, somente uma derrota, era apontado por muitos como o favorito da luta, apesar do currículo respeitável de seu oponente, com 48 vitórias, 36 por nocaute, três derrotas. “Ele vinha numa ascensão extraordinária”, diz Mauro Silva, presidente da Confederação Brasileira de Boxe. Seria uma luta equilibrada, mas Hatton tinha boas chances de vencer.

A dúvida pairou por menos de seis minutos. Hatton foi demolido. O campeão beijou a lona de forma histórica. Os cerca de 2 milhões de americanos que pagaram para ver a luta no pay-per-view, segundo o USA Today (chegando perto do recorde de um evento PPV, de 2,4 milhões) ficaram atônitos. Idem os milhões de filipinos que lotaram teatros, restaurantes e ginásios, deixando as ruas do arquipélago praticamente desertas para ver a luta. Mais que todos, no entanto, os 10 mil fãs de General Santos, cidade-natal de Pacquiao, que não desgrudaram os olhos puxados da frente da TV. Sem esquecer as 16 262 pessoas que desembolsaram até mil dólares por um ingresso no MGM Grand Garden Arena. Todos sem ar.

Ao soar do gongo, Hatton partiu para cima do asiático, conhecido no mundo do boxe como Pacman, o quase mitológico personagem de videogame que papa tudo que vem na frente. Em vão. Um gancho de direita, assim, de cara, colocou o inglês de joelhos até a contagem do árbitro chegar a oito. Combalido, Hatton se segurou até o fim do primeiro assalto, atingindo nada mais que o ar com seus socos, quando foi novamente atingido.

Segundo assalto. Recuperado, Hatton parecia querer reverter o jogo ao acertar alguns golpes em Pacman. Mas aos 2 minutos e 29 segundos um direto de esquerda no queixo, impecável, monstruoso, jogou Hatton de vez no chão – e Pacquiao na História. “Foram golpes certeiros. Hatton teve um lindo sonho na lona”, diz Mauro Silva. The Hitman caiu destroçado, e o árbitro, preocupado com o estado do inglês, declarou o fim da luta sem nem mesmo fazer a contagem. O próprio treinador de Hatton, o ex-pugilista Floyd Mayweather, sugeriu a aposentadoria ao pupilo, que permaneceu estirado na lona por alguns minutos. O Herald Tribune noticiaria dias depois que o estado de Nevada, onde fica Las Vegas, não vai permitir que Hatton lute de novo ali, a não ser que especialistas digam que seu cérebro não corre risco de dano permanente.

Pacman faturou US$ 32,8 milhões com a vitória, entre prêmio e direitos de TV. A glória foi mais uma de uma trajetória impressionante. Pelo Conselho Mundial de Boxe, ele foi campeão mundial pesos leve, superpena e mosca. Pela Federação Internacional de Boxe, ganhou o mundial peso pena. Foi o quinto título mundial, na quinta categoria diferente, o que o faz ser considerado pela revista especializada americana Ring o melhor lutador da atualidade, considerando todas as categorias. Ele já ganhou sete prêmios de lutador do ano, entre 2006 e 2008, por três entidades diferentes. “Não há nada a se comparar”, diz Cliff Rold, da Ring. “Um ex-campeão peso mosca derrotar o atual campeão do meio-médio-ligeiro é algo sem precedentes.” Pacman tornou-se o quinto campeão quíntuplo da história, entrando no rol de pugilistas como Oscar de La Hoya - que, inclusive, foi nocauteado pelo filipino em dezembro passado.

Segundo especialistas, Pacquiao reúne qualidades raras de serem encontradas juntas em um atleta. “Ele tem fibra e raciocínio técnico incríveis. Une o mental, físico e psicológico de maneira exemplar”, opina Mauro Silva. Rubens Costa, psicólogo da CBBoxe, acrescenta o fato de ele ser canhoto. “A movimentação do corpo é diferente, atrapalha a vida da maioria dos oponentes, que é destra”, diz. “Além disso, uma pesquisa realizada com especialistas do mundo todo apontou que a rapidez dos punhos é a qualidade mais desejável em um grande lutador. Pacquiao é muito veloz.” (na dúvida, digite o nome do cara no YouTube).

Para Cliff Rold, Pacman tem a habilidade de se desenvolver e uma aptidão para o esporte que poucos têm. “Ele tem a velocidade e o poder, e evoluiu muito nos últimos dois anos”, diz. Quem o enfrentou concorda. Em 28 de junho de 2008, numa entrevista à TV americana logo após perder o título do peso leve para Pacquiao por nocaute, David Diaz, com o rosto inchado, detonado, borbulhando de sangue e hematomas, disse: “eu havia assistido a umas fitas, e tinha ficado mais preocupado com a força do que com a velocidade dele. Achei que podia aguentar a rapidez. Mas ele é incrivelmente rápido.”

Franzino, Pacquiao tem 1,69m e nasceu há 30 anos na ilha de Mindanao, foco de separatistas islâmicos no único país majoritariamente católico da Ásia. Durante a luta com Hatton, as guerrilhas fizeram um cessar-fogo não-oficial com as tropas do governo. Alguns guerrilheiros viajaram quilômetros para ver o combate, e mal tiveram tempo de esquentar a cadeira.

“Queria que nossa rebelião pudesse se resolver tão rápido quanto a luta”, declarou o porta-voz da Frente Moro Islâmica de Libertação, há 14 anos enfrentando o governo de Manila. O papa-tudo Pacman, que já pagou de ator, gravou discos e passou pelo Exército, agora é aclamado como futuro presidente de seu país. Como disse um mototaxista filipino a um diário de Cingapura, “nem o Obama pode com Manny”.

revista VIP, versão brutalmente estendida, junho de 2009

Um comentário:

Di Giacomo disse...

Massa! Ta curtindo boxe?