terça-feira, 18 de novembro de 2008

antes da crise

Queima de estoque

“Meu filho, este ano você não vai ganhar bicicleta, nem nenhum presente. Estamos sem dinheiro e Papai Noel não existe.” Jayme Wright Jr., meu avô, tinha 5 anos quando escutou isso de sua mãe no Natal de 1931. A situação econômica mudou no ano anterior, quando a família teve que vender jóias, dispensar empregados e comer marmita no almoço. A “vida faustosa” ficou apertada numa casa geminada em Santos, onde meu trisavô, João Francisco Wright, trabalhava como exportador de café, principal produto da economia brasileira.

O Museu do Café, em Santos, guarda informações sobre as firmas de café do início do século. A S.A. Casa Michaelsen Wright tinha, em 1919, capital de mil contos de réis. Antes da Primeira Guerra, a casa exportava 1 milhão de sacas por ano. Durante o conflito, entre 1914 e 1918, o número caiu para 400 mil/ano.

O crack de 1929 atingiu duramente quem trabalhava com o tal “ouro verde”, já que os Estados Unidos eram nossos maiores consumidores e, quebrados, não tinham mais dinheiro para o café, que representava mais de 70% das nossas exportações. Mas o problema era anterior à crise. Desde o fim do século 19, o Brasil já enfrentava a superprodução, que diminuía o valor do café por conta da oferta exagerada, sendo obrigado a estocar safras inteiras a fim de segurar os preços. O país chegou a produzir sozinho toda a demanda mundial de cerca de 22 milhões de sacas. A partir de 1925, as queimadas se tornaram comuns. Meu avô se lembra de ver aquilo no horizonte, sem entender direito o que era.

“É triste, mas é história. Olhar esta foto, para mim, é como ter um registro da queda da Bastilha”, compara, sem medo de exagerar, o arquiteto Aníbal de Almeida Fernandes, cujos avós também sofreram com a crise do café. Aristocratas da elite cafeeira de Vassouras, interior do Rio, Joaquim Rodrigues de Almeida e Bernardina Arantes de Almeida foram obrigados a se mudar para a fazenda Baguary, na então inóspita Araraquara, em São Paulo, em 1890, época em que o estado despontava como o maior produtor. Após viver a decadência de Vassouras, Joaquim ficou muito abalado com a crise do café desencadeada em 1929. Luxos como encomendar vestidos de Paris e porcelanas de Maastricht viraram passado na Baguary.

Joaquim morreu melancólico em 1937 e, no ano seguinte, a família se desfez da propriedade. Meu trisavô precisou se desfazer da fazenda, em Guarantã, vendeu carros, casa e pagou suas dívidas. Em 1933, sozinho no escritório, deixou uma carta para a família e buscou um fim para seu tormento em um tiro no próprio peito.



Trecho da reportagem "Tragédia em Wall Street", Aventuras na História - Julho 2008

Um comentário:

Di Giacomo disse...

Pô, essa história é verídica, mesmo?
Triste :-(

http://clube-de-ideias.blogspot.com/