Era uma festa. Uma casa abandonada, sobrado de madeira, colonial, numa cidade do interior. Noite de verão, muita bebida, Lua amarela. Você está no sofá, já com a consciência em estado profundamente alterado. Repara nas luzes refletidas na parede.
- Cara, esses vultos...Tá vendo?
- Ahã...
- Na parede, se liga... Esse monte de cor...Parecem pessoas...
- Pode crer. Eles têm até uns rostos, olha...
- Caraca, é mesmo! Olha mais de perto...
Os dois já não dão mais bola para o que acontece naquela sala suja, grudenta e suada, que tem num sofá velho o único móvel disponível naquele momento. Estão a poucos centímetros da parede, procurando mais detalhes e, principalmente, de onde vinha aquela iluminação estroboscópica, psicodélica.
De perto, todas as pessoas são sombras na parede. Ao constatarem esse absurdo, vocês perceberam que as imagens se deslocam para debaixo do tapete. E somem.
O garçom maluco surge com sua bandeja cheia de pastilhas coloridas. Ele toma uma. E, na sua frente embasbacada, perde o peso, o volume, a massa, as saliências e reentrâncias do corpo. Não parte do peso, o peso. Ele simplesmente ficou 2D. E foi para a parede, numa excrescência cubista.
Você o segue, aquela imagem disforme verde fluorescente descendo vertiginosamente pelo chão. Levanta o tapete e, no mesmo instante, sente o corpo se comprimir - como se pudesse ser uma bola de papel e de repente virar uma folha plana - e vai parar embaixo daquele tecido bordado de qualquer coisa suja de cerveja. Lá, uma outra festa, na verdade, a pista mais disputada da mesma festa. Você reconhece várias pessoas, em transe, dançando a uma música indecifrável.
Os bombeiros chegam. Você deixa a casa pelo porão, que era onde essa pista insana estava, e vê dezenas de pessoas sendo removidas de maca para fora. Elas estão desacordadas, sim, mas parece haver um cortejo, que não é fúnebre, mas é solene, quase um ritual, do qual os bombeiros fazem parte. Sobem um morro, com ciprestes e pequenos arbustos no topo.
Quando você está chegando lá em cima, vê a euforia dos que desceram, e começa a correr. Delira ao atingir o topo, a vista sublime de um mar queimando. Corre, corre, corre, atira o copo de Coca-Cola para o alto e o vê caindo vagarosamente na grama, sem atingir ninguém, continua correndo, esticando as pernas ao limite, sentindo os músculos no limite, e mesmo assim sem alcançar a parte mais à frente do cortejo. Quando, de repente, tudo fica branco.
Sem entender nada, você se levanta, volta, e retoma a vida. O ano começou.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
noites na Louisiana
domingo, 21 de fevereiro de 2010
putas tristes
"(...) Sin enbargo, también tenía a su lado un catre de soltero con los resortes bien aceitados para lo que le deparara de noche. En una época tuve una cierta tentación por sus costumbres de cazador furtivo, pero la vida me enseñó que es la forma más árida de la soledad, y sentí una gran compasión por él."
"(...) Después me levantó en vilo por los sobacos y me puso encima de ella al modo académico del misionero. El resto lo hizode su cuenta, hasta que me morí solo encima de ella, chapaleando en la sopa de cebollas de sus muslos de potranca."
"Conversamos durante horas de otros amigos vivos y muertos, de libros que nunca debieron ser escritos, de mujeres que nos olvidaron y no podíamos olvidar, de las playas idílicas del paraíso caribe de Tolú - donde el nació - y de los brujos infalibles y las desgracias bíblicas de Aracataca. De todo lo habido y lo debido, sin beber nada, sin respirar apenas y fumando hasta por los codos por miedo de que la vida no nos alcanzara para todo lo que todavía nos faltava por conversar."
Da autobiografia de Gabriel García Márquez, Vivir para Contarla, que ainda teve um instante para alfinetar A Montanha Mágica, livro que já está há quatro anos no criado-mudo, sem chegar ao fim (sim, um dia):
"Lo que todavía no me explico es él éxito atronador de La Montaña Mágica, de Thoman Mann, que requirió la intervención del rector para impedir que pasáramos la noche en vela esperando um beso de Hans Castorp y Clawdia Chauchat."
sábado, 20 de fevereiro de 2010
big brother oceania
comercial do Macintosh, da Apple, tipo um Big Brother de cara fofa e branca
"Debaixo da janela, alguém cantava. Winston espiou para fora, protegido pela cortina de musselina. O sol de junho ainda boiava alto nos céus, e no pátio ensolarado uma mulher monstruosa, sólida como uma pilastra normanda, com formidandos antebraços avermelhados e um avental de aniagem na cintura, caminhava entre uma tina de lavar e um varal, estendendo uma porção de panos quadrados em que Winston reconheceu fraldas. Sempre que não tinha a boca cheia de prendedores, cantava, com poderosa voz de contralto (...)"
"No sexto dia da Semana do Ódio, depois das passeatas, discursos, gritaria, cantoria, bandeiras, cartazes, filmes, esculturas em cera, rufar de tambores e guinchar de clarins, reboar de pés em marcha, ronco de esteiras de tanques, zumbido de aviões no ar, troar dos canhões - depois de seis dias de atividade, quando o grande orgasmo se aproximava trêmulo do clímax e o ódio geral contra a Eurásia se condensara em tamanho delírio que a multidão teria certamente esquartejado com as unhas os dois mil prisioneiros de guerra eurasianos cujo enforcamento público se realizaria no último dia - exatamente nesse momento, fora anunciado que a Oceania não estava em guerra com a Eurásia. Estava em guerra com a Lestásia. A Eurásia era aliada."
"- Faze comigo o que quiseres! - urrou - Há semanas que venho passando fome. Deixa-me morrer de fome. Fuzila-me, enforca-me. Condena-me a vinte e cinco anos. Alguém mais que queres que denuncie? Dize o nome e eu confesso imediatamente. Não me importa quem seja, nem o que faça com ele. Tenho mulher e três filhos. O mais velho ainda não tem seis anos. Podes pegar todos eles e degolá-los na minha frente, que eu olho sem virar a cabeça. Mas a sala 101, não!
- Sala 101."
Trechos de 1984, George Orwell
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Pedras nos rins + este livro + GTA IV fizeram um bem danado para a perversidade dos meus sonhos nesse verão